sexta-feira, 23 de setembro de 2011

A mim só os malucos


Eu devo ter um ar de gaja porreira.
Mesmo.
Assim, querida e fofinha, que dá vontade de apertar.
Mesmo sem eu fazer nada, dedicando-me apenas a existir enquanto espero pelo meu motorista (senhor que conduz o 782 / 735 / 12 - eles revezam-se), as gentes não conseguem coibir-se de se dirigir à minha pessoa.
Tenho, claramente, um magnetismo especial.
Principalmente na zona de Santa Apolónia, a partir das 20h00. Aliás, estou em crer que não é apenas a sopa que atrai multidões à zona ribeirinha, mas também a minha presença inestimável.
Porque nada melhor do que aguardar a sopa na minha agradável companhia.
E a minha companhia deve ser mesmo especial e importante, porque apesar de eu tentar deixar os senhores à vontade enquanto esperam, olhando atentamente para os edifícios, para a calçada, para o céu estrelado, eles insistem em partilhar o seu saber e em saber a minha opinião - que, aliás, têm em grande conta.
A temática desta noite era de cariz político e focava essencialmente regimes ditatoriais.
Segundo o Senhor Roliço muito admirador da minha pessoa, Salazar foi ditador porque andou metido com más companhias. Andou metido com os generais e essa cambada do exército (eu acho que a associação de ideias se deveu ao Museu Militar, que fica mesmo do outro lado da rua). A culpa foi toda das más companhias - os generais - porque ele não queria ser assim. Mas se andas com um ladrão, és ladrão. Se andas com um assassino, és assassino (neste ponto, lembrei-me que o Salazar andava sempre com malta da igreja atrás...).
A coisa ganha contornos de interesse quando o Senhor Roliço começa a enumerar exemplos: 
 - "E aquele, aquele que foi morto com a corda ao pescoço? Que também era general. São todos generais, esses tipos. Ai de onde ele era? Que também matou muitos!"
(E eis que foca o olhar na minha pessoa, num cantinho da paragem, a olhar atentamente a calçada e a contar até 10).
 - "E então de onde é que ele era?"
(Levanta-se e está claramente à espera da minha resposta).
 - "Do Iraque?" 
(A minha vozinha, só naquela do "pode ser que não te chegues muito perto).
 - "Ah, pois era! E também temos aquele outro, o tal que anda fugido, que anda por aí. Matou muitos, muitos, muitos. Que também é general, pois então! De onde é que ele é?"
(O tal olhar focado creepy).
 - "Líbia".
(Já começo a perder a paciência. Se ele se passar dos cornos, eu corro e a besta barriguda não me apanha, mesmo em saltos altos).
- "E o Hitler? Esse também era general do exército alemão e matou milhões. Também era general!".
(Pois. Há coisas que eu não consigo conter).
 - "Não, não era. Hitler não era general. Hitler foi eleito democraticamente na Alemanha".
(Ui).
 - "Ah não! Pois se eu lhe estou a dizer que era general. General do exército! Foi assim que ele mandou na Alemanha e matou tudo. Deve achar que eu não sei o que estou a dizer."
- "Pois. Realmente não sabe. Também não vou teimar consigo".

Chegou o 735.

Já deu para perceber porque é que eu preciso de um automóvel urgentemente?

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