quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Coisinha mais fofa



A minha família deu-me uma úlcera

Foi o meu aniversário.
A prenda que a minha família me deu foi uma úlcera no estômago.
Assim que comecei a acordar a meio da noite com dores horríveis, como se fosse uma criancinha etíope com fome, não tive dúvidas: a minha família tinha-me dado uma úlcera - facto que não foi desmentido pelo farmacêutico fofinho que me atendeu (porque eu não curto médicos).
Levamos a infância toda a acreditar que a banda sonora da nossa família é aquela música maricas do "stand by me". Mas não é. O que faz uma família funcionar é a argamassa que liga aquela gente toda, que na verdade nem sequer se grama muito, que é o denominador comum de todos nós. Desaparecendo a argamassa tudo se desconjura, que nem tijoleira ranhosa em cozinha velha.
E é assim que nascem as úlceras.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Como montar prateleiras numa despensa em 20 passos

1. Antes de mais, assume-se que não somos capazes de montar prateleiras numa despensa (já foi um milagre termos montado sozinhos uma estante Expedit Ikea).
2. Liga-se para os senhores da Galp On Comfort e marca-se uma hora para irem lá a casa.
3. Dizemos muitas vezes ao telefone e a várias funcionárias da Galp On Comfort: "Lembrem-se que tenho duas horas de bricolage grátis! Não se esqueçam! Vamos já comprar prateleiras".
4. Mede-se cuidadosamente, com a fita métrica da costura (que é a única que temos, por mero milagre) o espaço da despensa e o espaço que ficará entre cada prateleira.
5. Conclui-se que queremos 3 prateleiras 97x41.
6. Dirigimo-nos ao Aki depois de 10 horas no escritório, com um homem danado por ter de ir ao Aki comprar prateleiras.
7. Esperamos infinitamente que alguém nos atenda.
8. Continuamos a esperar infinitamente.
9. Alguém nos atende e é muito simpático. Aliás, ajuda-nos a escolher os parafusos, as buchas, pergunta pelo género de parede, diz ao homem que sou eu que tenho razão quanto aos apoiozinhos das prateleiras e ainda faz recomendações sobre ferramentas que já não sei enumerar e que julgo desconhecer em absoluto.
10. Carregamos, pagamos, voltamos ao lar.
11. Constatamos que as prateleiras não cabem na despensa.
12. Afinal, não tivemos em conta o rebordo da porta e o tamanho certo é 97x39.
13. Ligamos, em desespero, para o Aki para descobrir a que horas fecham.
14. Ninguém atende.
15. Enquanto o telefone toca ligamos o computador e descobrimos que fecham às 21h00.
16. São 21h15.
17. Ligamos às senhoras da Galp On Comfort para desmarcar a visita.
18. Dizemos muitas vezes ao telefone: "Não se esqueçam que temos duas horas grátis!"
19. Vamos jantar pipocas.
20. Amanhã tentamos outra vez.

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Coisas Novas


Agora moro aqui.
Gosto.
Este sítio traz de volta os meus 12 anos. Gosto que seja um sítio pequenino onde toda a gente se conhece. Gosto que o senhor que só vi uma vez grite "Bom Dia!" entusiasticamente quando volta a passar por mim. Tem uma vida diferente esta terra. É mais parecido com o sítio onde cresci.
Já cá estamos quase há dois meses. Mas foram os dois meses mais penosos de sempre.
Quando estamos a planear uma mudança fazemos tudo para ter a certeza que as coisas vão acontecer da maneira mais pacífica possível, mais serena possível, com a maior alegria possível. A vida arranja maneira de dar a volta aos nossos planos.
Sempre que pensar no primeiro mês na casa nova vou pensar no telefone que tocou às 07h00 do primeiro feriado que aqui passámos. Vou  pensar no meu coração a cair no soalho. Não fez tanto barulho quanto se poderia imaginar.
Agora entretemo-nos a encher a casa de nós. Aos bocadinhos. 

domingo, 16 de junho de 2013

E de repente a Terra parou de girar no seu eixo.

Toda a minha infância passou à frente dos meus olhos. Porque tu foste sempre a personagem principal da minha infância. Descer a Rua da Voz do Operário a correr, com a mochila a bater no rabo, guinar à direita pela Rua de São Vicente, com a avó a correr atrás de mim, a dizer que estás à minha espera. E estavas sempre à minha espera. Ovo Kinder no Inverno e Perna de Pau no Verão. A barba que picava. Os teus amigos que se metiam comigo e a quem eu depois mordia. A minha infância toda parece que desapareceu esta semana. Desapareceu contigo.

Umas mãos gigantes prontas para me agarrar sempre. Costas largas para me carregar para todo o lado. Um carinho imenso nuns olhos que brilhavam sempre que me viam. Um orgulho desmedido até nas coisas mais pequenas.

Nos últimos tempos era estranho olhar para ti porque estavas tão pequeno. Ao meus olhos sempre foste enorme, mãos gigantes, costas largas. E nos últimos tempos, de repente, tão frágil, tão magro, quase do mesmo tamanho que eu. E isso foi tão estranho. Tudo continua a ser tão estranho.

quinta-feira, 21 de março de 2013

Comichões


Isto faz-me comichão. Imensa comichão.

O que me deixa doida como se estivesse dentro de um formigueiro não é a tramóia ou a aldrabice (consoante o substantivo que gostem mais, não quero ser muito má). A aldrabice é intrínseca ao português. Gostamos de empurrar com a barriga, de experimentar para ver se passa ao lado. Nada diz mais do povo português do que inquirir junto do vizinho, que é tio daquele senhor que trabalha no serviço de finanças, se não pode dar um jeitinho para não ter de lá passar a manhã toda. Nada diz mais desta nossa raça do que deixar uma nota de 50 dentro do livrete quando o senhor agente manda parar a viatura.

E eu aceito tudo isto com relativa parcimónia. Não me faz comichão porque estou habituada. Todo o português está habituado. Logo, que Sócrates entenda por bem falsificar certificados de habilitações é algo previsível e compreensível em todo o português - e o senhor é português.

O que me faz comichão, o que me deixa louca, é a falta de vergonha na cara. A imensa falta de vergonha na cara.

Sim, porque o português tem muitos defeitos, mas sempre teve vergonha. O pudor e o receio da má-língua sempre nos regeu.

Não sei se é uma coisa regional ou não (a minha família é do Minho, apesar de eu ser nascida e criada em Lisboa), mas em minha casa, sempre que alguém tinha de ir ao hospital, primeiro tinha de ir ao banho. Ora, para quem tem 8 anos, está com um distúrbio alimentar (no Verão eu ia sempre ao gregório. Sempre), com dores em todo o corpo e a regurgitar em cada canto, a ideia de um banho é penosa. Mas nada afligia mais a minha mãe (as minhas dores e queixumes certamente não surtiam esse efeito) do que a ideia de o Senhor Doutor vir a achar que nós éramos uma cambada de suínos. A vergonha e o embaraço de o Senhor Doutor poder vir a fazer juízos de valor a respeito da higiene pessoal na nossa casa. De nada valia eu argumentar que o Senhor Doutor devia estar familiarizado com vómito, sangue e fezes e que o normal seria as pessoas chegarem ao hospital nesse lindo estado. 

Tudo isto para dizer que, da minha perspectiva, ainda há vergonha em Portugal. Todas as velhotas da Graça  têm medo de se arranjarem demais para ir lanchar e serem apelidadas de pindéricas.

Logo, isto faz-me comichão, porque o senhor em apreço não tem vergonha na cara. E é português.

Lá fora, temos casos semelhantes. Na Alemanha (e o Sócrates sempre foi amicíssimo da Merkel, sempre unidos pela bacia), a Ministra da Educação foi acusada de plágio. A diferença entre ela e o Sócrates é que a primeira demitiu-se. Lá está: teve vergonha na cara. Pertence àquele conjunto de pessoas a quem a ideia de ver o bom nome e dignidade (não só da visada mas do Partido, do Governo e até Nação) posto em causa bule com o espírito. Vergonha na cara.

E é precisamente o facto de José Sócrates ser desprovido de vergonha na cara que me faz comichão.
Alergia, até.


segunda-feira, 18 de março de 2013

Naturalidade: Multinacional

 - Então, de onde és?
 - De uma multinacional!

Temos uma estagiária nova cá no escritório. Juro que tentei manter uma mente aberta, mas também juro que está a ser difícil.
Descobrir que a criatura afinal é de Torres Vedras (vai e volta para Torres Vedras todos os dias - o que é desde já indicador de um certo grau de insanidade) foi mais difícil do que parecia à primeira vista.
É que a menina gosta de dizer sempre que é de uma multinacional. Venho de uma multinacional. Na multinacional não era assim. Na multinacional só usávamos outlook. Na multinacional tinha um cargo de chefia.
Eu nem tentei saber qual é a multinacional, porque imagino que ela esteja adstrita a alguma espécie de cláusula de fidelização, versão 007, em que não pode divulgar esse género de segredos estatais.
A verdade é que já estamos todos aqui a morrer de saudades da antiga estagiária que, por muitos defeitos que tivesse, sabia perfeitamente dizer que era de Aveiro e que morava em Mafra.

quinta-feira, 14 de março de 2013

Modo off



Passou o Natal e o Ano Novo.
O Carnaval.
Habemus Papam.
Está a chegar a Primavera.

E ele ontem perguntou-me: "Já não escreves no blog?". Conhecemo-nos com o blog. O dele, nunca o meu, onde há tanto movimento como em terreno minado. E foi então que reparei que esta coisa começa a reunir as condições necessárias para a aplicação dos artigos 114.º e seguintes do Código Civil (com as devidas alterações, claro está).

Vem-se, assim, ilidir a presunção de morte. Ainda andamos por cá, se bem que ele há dias em que mais mortos que vivos.

A vida devia incluir horário flexível para se poder fazer tudo aquilo que se gosta. Para que sobrem horas. Horas para o necessário e para o acessório (que tantas vezes é o mais necessário [pergunta ele, no sábado de manhã, ainda entre os lençóis, se eu não sou mais feliz ali do que a fazer outra coisa qualquer]).

Há que arranjar tempo. Esticá-lo com o rolo da massa que ainda nem temos na cozinha (nem temos fritadeira, nem formas, nem tanta coisa [não eras mais feliz se não pensasses nessas coisas todas?]), fazer com durasse e abrangesse todo o meu querer. Que chegasse para todos e, às vezes, também para mim.