quinta-feira, 21 de março de 2013

Comichões


Isto faz-me comichão. Imensa comichão.

O que me deixa doida como se estivesse dentro de um formigueiro não é a tramóia ou a aldrabice (consoante o substantivo que gostem mais, não quero ser muito má). A aldrabice é intrínseca ao português. Gostamos de empurrar com a barriga, de experimentar para ver se passa ao lado. Nada diz mais do povo português do que inquirir junto do vizinho, que é tio daquele senhor que trabalha no serviço de finanças, se não pode dar um jeitinho para não ter de lá passar a manhã toda. Nada diz mais desta nossa raça do que deixar uma nota de 50 dentro do livrete quando o senhor agente manda parar a viatura.

E eu aceito tudo isto com relativa parcimónia. Não me faz comichão porque estou habituada. Todo o português está habituado. Logo, que Sócrates entenda por bem falsificar certificados de habilitações é algo previsível e compreensível em todo o português - e o senhor é português.

O que me faz comichão, o que me deixa louca, é a falta de vergonha na cara. A imensa falta de vergonha na cara.

Sim, porque o português tem muitos defeitos, mas sempre teve vergonha. O pudor e o receio da má-língua sempre nos regeu.

Não sei se é uma coisa regional ou não (a minha família é do Minho, apesar de eu ser nascida e criada em Lisboa), mas em minha casa, sempre que alguém tinha de ir ao hospital, primeiro tinha de ir ao banho. Ora, para quem tem 8 anos, está com um distúrbio alimentar (no Verão eu ia sempre ao gregório. Sempre), com dores em todo o corpo e a regurgitar em cada canto, a ideia de um banho é penosa. Mas nada afligia mais a minha mãe (as minhas dores e queixumes certamente não surtiam esse efeito) do que a ideia de o Senhor Doutor vir a achar que nós éramos uma cambada de suínos. A vergonha e o embaraço de o Senhor Doutor poder vir a fazer juízos de valor a respeito da higiene pessoal na nossa casa. De nada valia eu argumentar que o Senhor Doutor devia estar familiarizado com vómito, sangue e fezes e que o normal seria as pessoas chegarem ao hospital nesse lindo estado. 

Tudo isto para dizer que, da minha perspectiva, ainda há vergonha em Portugal. Todas as velhotas da Graça  têm medo de se arranjarem demais para ir lanchar e serem apelidadas de pindéricas.

Logo, isto faz-me comichão, porque o senhor em apreço não tem vergonha na cara. E é português.

Lá fora, temos casos semelhantes. Na Alemanha (e o Sócrates sempre foi amicíssimo da Merkel, sempre unidos pela bacia), a Ministra da Educação foi acusada de plágio. A diferença entre ela e o Sócrates é que a primeira demitiu-se. Lá está: teve vergonha na cara. Pertence àquele conjunto de pessoas a quem a ideia de ver o bom nome e dignidade (não só da visada mas do Partido, do Governo e até Nação) posto em causa bule com o espírito. Vergonha na cara.

E é precisamente o facto de José Sócrates ser desprovido de vergonha na cara que me faz comichão.
Alergia, até.


segunda-feira, 18 de março de 2013

Naturalidade: Multinacional

 - Então, de onde és?
 - De uma multinacional!

Temos uma estagiária nova cá no escritório. Juro que tentei manter uma mente aberta, mas também juro que está a ser difícil.
Descobrir que a criatura afinal é de Torres Vedras (vai e volta para Torres Vedras todos os dias - o que é desde já indicador de um certo grau de insanidade) foi mais difícil do que parecia à primeira vista.
É que a menina gosta de dizer sempre que é de uma multinacional. Venho de uma multinacional. Na multinacional não era assim. Na multinacional só usávamos outlook. Na multinacional tinha um cargo de chefia.
Eu nem tentei saber qual é a multinacional, porque imagino que ela esteja adstrita a alguma espécie de cláusula de fidelização, versão 007, em que não pode divulgar esse género de segredos estatais.
A verdade é que já estamos todos aqui a morrer de saudades da antiga estagiária que, por muitos defeitos que tivesse, sabia perfeitamente dizer que era de Aveiro e que morava em Mafra.

quinta-feira, 14 de março de 2013

Modo off



Passou o Natal e o Ano Novo.
O Carnaval.
Habemus Papam.
Está a chegar a Primavera.

E ele ontem perguntou-me: "Já não escreves no blog?". Conhecemo-nos com o blog. O dele, nunca o meu, onde há tanto movimento como em terreno minado. E foi então que reparei que esta coisa começa a reunir as condições necessárias para a aplicação dos artigos 114.º e seguintes do Código Civil (com as devidas alterações, claro está).

Vem-se, assim, ilidir a presunção de morte. Ainda andamos por cá, se bem que ele há dias em que mais mortos que vivos.

A vida devia incluir horário flexível para se poder fazer tudo aquilo que se gosta. Para que sobrem horas. Horas para o necessário e para o acessório (que tantas vezes é o mais necessário [pergunta ele, no sábado de manhã, ainda entre os lençóis, se eu não sou mais feliz ali do que a fazer outra coisa qualquer]).

Há que arranjar tempo. Esticá-lo com o rolo da massa que ainda nem temos na cozinha (nem temos fritadeira, nem formas, nem tanta coisa [não eras mais feliz se não pensasses nessas coisas todas?]), fazer com durasse e abrangesse todo o meu querer. Que chegasse para todos e, às vezes, também para mim.